O trabalho dos professores: novas realidades, novos discursos, novos sentidos

Apesar da evidente grosseria desses argumentos, todos eles juntos e apresentados com armações conceituais e pedagógicas que enaltecem as virtudes da atividade educacional, quase sempre enobrecendo-a, fazem a cabeça de muitos e seduzem, ainda mais quando vêm acompanhados de autoridades reconhecidas no campo pedagógico.

É o caso, por exemplo, do entrevistado pela revista Nova Escola na sua edição deste mês de outubro de 2012 (indisponível na rede), o professor António Nóvoa, um estudioso justamente celebrado entre os educadores brasileiros pela visão abrangente que tem da Educação na sociedade contemporânea. O argumento de Nóvoa é conhecido: a responsabilidade social da Escola nos dias atuais encontra-se superdimensionada ("carrega a carga de caminhões sobre rodas de bicicleta") e ela é talvez, das instituições que integram a esfera pública, uma das que mais sistematizadamente têm sido penalizadas pelas expectativas que a sociedade nutre a seu respeito, como se estivesse na Escola a resposta para os problemas que cansamos de denunciar todos os dias: a violência, o egocentrismo e o hiperindividualismo, a desintelectualização do conhecimento etc.

 
Nóvoa tem razão quando afirma que a figura que mais vive o tensionamento desse processo é o professor, o que exigiria dele um esforço extraordinário de qualificação para dar conta do desafio que a Escola lhe transfere. Essa constatação, no entanto, soa como música nos ouvidos dos empresários da Educação – e, infelizmente, de forma precipitada, também aos ouvidos de muitos professores: na escola privada, o entendimento do que vem a ser "qualificação" é bem diferente daquilo que Nóvoa diz. Qualificação ali é volume, é obsessão pelo registro das quantidades, é o tempo desperdiçado com projetos educacionais de natureza mercantil e é também… o uso irracional das tecnologias digitais. Em síntese, qualificação é sobre-trabalho do professor e não qualquer atividade pedagógica consequente com o desafio que a Escola enfrenta. O tratamento que a revista Nova Escola deu ao assunto, no entanto, é superficial e desvinculado da realidade do trabalho docente, como se aquilo que o professor faz não se materializasse, não existisse física e materialmente. Mas é bom deixar claro: a perspectiva da Nova Escola não tem nada a ver com a excelência da entrevista de Nóvoa. O que a revista deixou de fazer foi aproveitar, com acuidade, a qualidade das reflexões do professor português…
 
 
Pior que isso é o que faz a revista Época na matéria de capa de sua edição no. 54, de setembro de 2012 (aqui). A reportagem é toda produzida no tom do deslumbramento que as tecnologias digitais provocam nos espíritos menos exigentes, sempre prontos a ver uma revolução por minuto em cada novidade eletrônica. Sob o título “O fascínio da escola tecno”, o que a revista faz, na verdade, é amontoar informações dispersas sobre os novos padrões de comportamento que os estudantes – desde cedo, muito cedo – adquirem diante de recursos como tablets, smartphones etc, elementos que fizeram nascer “uma nova rotina escolar”. É tudo verdade, mas a ilustração que acompanha o texto da matéria – um encadeamento de fluxos e contra-fluxos de informações e recursos, um obscuro painel de inputs e outputs de procedimentos, não faz uma única – nem uma – referência ao professor, embora afirme que o que está ali descrito é “a sala de aula do século XXI”, com esta pérola: “Para capturar a atenção de todos, longas explanações deram lugar a atividades interativas”.

 

Pois é assim mesmo: a escola como uma abstração tecnológica; sem a concretude do trabalho do professor, responsável pelas tais “longas explanações”, e, de alguma forma, o articulador do trabalho que surge de toda essa nova complexidade. A Escola, no entanto, vê isso como uma decorrência natural das mudanças; nada que escape à “nova rotina escolar”. Ora, se é “rotina” por que então falar em trabalho extraordinário?

 

Posso estar enganado, mas duvido: essa montagem discursiva em torno da nova realidade didático-pedagógica contemporânea – como tenho dito, um núcleo semântico que se articula com práticas materiais e ideológicas – oculta pelo menos três dimensões tão delicadas quanto perigosas. A primeira é a que emerge de uma percepção colonizada que os sujeitos envolvidos nesse processo têm das tecnologias da informação e da comunicação, entendido o termo "colonizada" como a abdicação do sujeito e de sua autonomia intelectual; a escola e seus agentes submersos por uma pulsão que escapa ao seu controle. A segunda, que se alimenta dessa primeira, vem ao encontro da exploração do trabalho no âmbito da intensa mercantilização do ensino, mesmo quando ocultada sob a embalagem das virtudes da Escola e do ofício do educador. E a terceira é aquela que fala sobre o papel da mídia como funcionalizadora reiterativa desse complexo pela maneira como dispõe esses discursos na esfera pública. Estamos bem arranjados…

 

Fontes: SINPRO-SP e jsfaro.net

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