Ideológico, discurso pró-reforma esconde que modelo segue viável

Apesar do envelhecimento da população, Guilherme Delgado, do Ipea, concluiu em estudo que INSS não está ameaçado por explosão de aposentadorias e pode ser ajustado suavemente. Eli Iola Gurgel Amaral, com tese na UFMG sobre o tema, critica proposta de mudar modelo para regime de capitalização.

André Barrocal – Carta Maior

Brasília – A Previdência Social sempre chamou a atenção por causa das fraudes. O caso recente mais famoso foi o da advogada Jorgina de Freitas, condenada por desviar milhões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no início dos anos 90. Esta mesma década, contudo, marcou uma espécie de virada na abordagem da Previdência. O tema entrou com mais força no discurso político, na análise de entendidos em contas públicas e no noticiário sob a perspectiva do equilíbrio financeiro. A sucessiva diferença entre receitas e despesas da Previdência, a partir de 1995, favoreceu o novo enfoque e deixa a dúvida: o INSS tem condições de se sustentar ou vai quebrar?

Uma dimensão importante, sob este ponto de vista, costuma ficar esquecida, porque o debate se concentra em valores gastos. Diz respeito à expectativa de vida do brasileiro. Como a principal atividade da Previdência é pagar aposentadorias, deve-se observar como tem se comportado a longevidade das pessoas, se mudou muito desde a consolidação do INSS (1988), a tendência para os próximos anos. Em suma, verificar se as aposentadorias vão disparar, se isso já estaria ocorrendo, e qual seria a idade média, no futuro, a partir da qual o brasileiro recorreria, ou deveria poder recorrer, à Previdência.

Em 1980, 4% da população tinha 65 anos ou mais, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa é a idade que, classicamente, caracteriza um idoso, o aposentado típico. Na mesma época, 57,8% dos brasileiros tinham de 15 anos a 64 anos. O segmento reúne, em tese, pessoas capazes de contribuir para o INSS com recursos que vão ser usados para bancar a aposentadoria da geração que antes trabalhou e se aposentou. Essa é a lógica da Previdência pública brasileira – as contribuições de uma geração sustentam a anterior.

Em 2000, notou-se um certo envelhecimento da população, uma tendência das sociedades modernas. A parcela acima de 65 anos passou para 5,4% e a situada entre 14 anos e 65 anos, para 64,8%. O grupo até 14 anos recuou de 38,2%, em 1980, para 29,8%, em 2000. E o envelhecimento deve se manter.

O IBGE tem projeções para 2030 e 2050. No primeiro caso, estima uma população com 12,1% de pessoas acima 65 anos e 66,6%, de 15 a 64 anos. No outro, prevê novo reforço de aposentados potenciais – 18,8% da população (48,8 milhões) – e estabilidade no patamar de trabalhadores em condições de contribuir para o INSS (66,4%, ou 164 milhões de pessoas).

A evolução demográfica admite duas conclusões importantes para o debate sobre Previdência, na avaliação de dois especialistas. O INSS não está ameaçado por explosão de aposentadorias e pode ser ajustado suavemente, segundo o pesquisador Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que publicou este ano um estudo sobre o tema. E o atual regime, baseado na contribuição de uma geração de trabalhadores para sustentar a anterior, continua viável, para a economista da Universidade Federal e Minas Gerais (UFMG) Eli Iola Gurgel Amaral, que se doutorou com uma tese sobre Previdência.

Ajuste gradual
As projeções do IBGE afastam a hipótese de disparada de aposentadorias no curto prazo. Ao contrário, indicam um avanço moderado no contingente de inativos potenciais (acima de 65 anos), mesmo não havendo exigência de idade mínima. Mas é certo que as previsões evidenciam o envelhecimento da população. O brasileiro vive – e vai viver – mais do que 18 anos atrás, quando o INSS se consolidou, na Constituição de 1988.

Essa evolução sugere que o sistema pode ter de ser adaptado à nova realidade de vida da população. Previdência Social, como define a Constituição, é um “direito social” destinado a ajudar pessoas que não consigam trabalhar por alguma razão – doença, invalidez, maternidade, desemprego involuntário ou idade avançada. Se o brasileiro vive mais, é sinal de que, em tese, melhorou sua qualidade de vida e teria mais condições de trabalhar.

Para Guilherme Delgado, no entanto, o ajuste não precisa ser feito abruptamente, por meio do corte imediato de direitos adquiridos da atual geração de trabalhadores, porque não há risco de uma enxurrada de aposentadorias. “O discurso que está posto nas mídias diz que se deveria fazer uma reforma já, cortando direitos básicos já para 2007, para os gastos não ‘explodirem’. Mas uma reforma só se justifica uma reforma numa perspectiva de longo prazo, o que é assimilável pela sociedade”, diz.

Em “Avaliação de resultados da lei do fator previdenciário (1999-2004)”, Delgado mostra que a quantidade de aposentadorias nos últimos 25 anos segue uma trajetória estável, mesmo com mudanças de regras. No período de 1980 a 1991, ano da principal lei do INSS, o estoque de benefícios subiu cerca de 4% ao ano, em média. O patamar se repetiu de 1991 a 2004, o que evidenciaria um padrão e, portanto, uma previsibilidade que facilita a gestão das contas da Previdência.

“Mas é certo que a elevação da expectativa média de sobrevida da população idosa deverá ter alguma influência a longo prazo na evolução do estoque de benefícios. Isso, contudo, não tem caráter explosivo, até porque a tendência demográfica de longo prazo não se manifesta abruptamente”, afirma o estudo.

Viabilidade das contribuições
Se os cenários traçados pelo IBGE sinalizam a necessidade de algum tipo de ajuste nas regras de pagamento de benefícios do INSS nos próximos anos, por conta do aumento da expectativa de vida, nada indica que seja necessário trocar o atual modelo de contribuição pelo de capitalização.

No primeiro modelo, os ativos pagam contribuições à Previdência para que os recursos financiem inativos. Já no regime de capitalização, é como se cada trabalhador tivesse uma conta particular, para custear exclusivamente a si. Assemelha-se ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Uma diferença básica entre os dois, é que o regime de contribuição distribui renda e tende à universalidade. Os contribuintes recolhem uma alíquota do salário, quem ganha mais paga mais para sustentar os outros. Já o regime de capitalização é individualista. Cada um sustenta a si mesmo, como num plano privado. A capitalização poderia ser uma primeira etapa de uma eventual privatização do INSS.

Para o regime de contribuição dar certo, contudo, é preciso que exista uma margem folgada entre a quantidade de ativos e de inativos numa sociedade. No Brasil, as projeções do IBGE mostram que isso vai ocorrer, pelo menos até 2050.

“O potencial de um sistema de previdência por contribuição no Brasil ainda existe. Não é invencionice achar que, se os níveis ocupacionais aumentarem, o sistema tem sustentabilidade. A fonte de financiamento está aqui [nas projeções do IBGE]”, afirma Eli Iola, do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Fonte: SINPROSP

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